Avaliação de um fertilizante
produzido com compostagem
de fontes regionais de
nutrientes
Estrabão
Vol(4):31– 42
©The Author(s) 2023
DOI: 10.53455/re.v4i.76
Pedro Höfig
1
and Eder de Souza Martins
2
Abstract
Contexto: entende-se que a busca por uma agricultura rentável e permanente passa pela
valorização das fontes de nutrientes disponíveis regionalmente, o que fornece mais autonomia
para o setor rural em relação à adubação. A compostagem conjunta de resíduos orgânicos e
rochas moídas alia duas técnicas ancestrais, mas é pouco difundida. Este trabalho teve como
objetivo avaliar um fertilizante produzido pela compostagem conjunta de resíduos orgânicos e
rochas moídas, fontes regionais de nutrientes. Metodologia: os componentes utilizados para a
produção do composto foram cama de bovino, silagem de milho, casca de café, gesso agrícola,
pó de rocha mica xisto e, como inoculante, a Solução de Microrganismos JADAM. A temperatura
foi medida com termômetro digital tipo espeto e a umidade do composto foi avaliada pelo o tato. A
realização da aeração foi feita com o compostador Jaguar JC 4000 e a umidificação foi realizada
com um tanque pipa de 20 mil litros rebocável, de acordo com os dados obtidos no monitoramento
diário. Conclusões: as análises química, orgânica, biológica e sanitária indicam que o processo de
compostagem foi realizado de forma correta. Com isso, o composto produzido com fontes regionais
de nutrientes possui boa qualidade e é passível de ser usado na agricultura, já que atende aos
requisitos necessários para ser enquadrado como fertilizante orgânico composto classe A.
Palavras-chave
Recursos locais, agrominerais silicáticos, agricultura sustentável, autossuficiência.
1 AH Agropecuária, Unai, Minas Gerais, Brasil
2 Embrapa Cerrados, Brasília, Distrito Federal, Brasil
Corresponding author:
Pedro Höfig, AH Agropecuária, Unai, Minas Gerais, Brasil
Email: pedro.hofig@ah.agr.br
32 Estrabão (4) 2023
Introdução
O caminho técnico e químico da agricultura industrial passou por um desenvolvimento extraordinário,
com a ajuda de enorme aparato tanto da ciência quanto da indústria química e tecnológica. Entretanto,
tal caminho foi pavimentado por muitas correções e por leis restritivas, já que, constantemente, foram
sendo produzidos novos problemas. Ademais, é evidente que, baseados em recursos finitos, nutrientes
essenciais em algum momento não estarão disponíveis para a agricultura convencional. Portanto, é
necessário desenvolver e incrementar métodos que possam aproveitar ao máximo as oportunidades locais
com o mínimo de insumos externos (Wistinghausen et al. 2000).
A regionalização significa menos transporte, cadeias de produção transparentes, uma dependência
reduzida dos fluxos de capitais das multinacionais e maior segurança em todos os sentidos do termo.
Regionalizar as soluções constituem a base da economia circular, o que leva a preservar o meio
ambiente, ao mesmo tempo que reinsere a economia na sociedade local, reduz o desemprego, fortalece
a participação e integração, e oferece novas perspectivas para os países em desenvolvimento (Latouche
2018). Isso contribui para a resolução de problemas de forma ambientalmente mais adequada e cria
vínculos sociais e econômicos mais robustos. A essa lógica se contrapõe a verticalização da produção
convencional, que vincula o homem do campo exclusivamente à indústria à qual está integrado, a qual
por sua vez trabalha mercados distantes, fora de qualquer controle do agricultor. Nessa situação, vão
se debilitando os laços econômicos do agricultor com seu meio geográfico, terminando por isolá-lo do
contexto social em que ele vive (Khatounian 2001).
Entende-se como fontes regionais de nutrientes (FRN) os resíduos orgânicos e os pós de rochas
que se situam dentro do país, com menor grau de padronização e feitos em escalas de produção
reduzidas em comparação às commodities, que, por sua vez, são produtos que têm elevado grau
de padronização, fabricados e comercializados em grandes quantidades em processos produtivos,
geralmente, contínuos (Gomes-Casseres Mcquade 1991). Ao contrário das commodities, que podem ser
transportadas entre continentes, as FRN possuem limitações logísticas.
Nesta perspectiva, entende-se que a busca por uma agricultura rentável e permanente passa pela
valorização das fontes de nutrientes disponíveis regionalmente, o que fornece mais autonomia para
o setor rural, ao menos, no tocante a sua adubação. Novas práticas e novos conhecimentos calcados
na otimização dos recursos disponíveis na própria unidade de produção, na participação dos agricultores
e na valorização de seus saberes empíricos são ferramentas essenciais (Canellas et al. 2005).
A compostagem é um método usado desde os primórdios da agricultura (Koepf et al. 1983), em que
se busca o ganho de tempo e espaço por meio do trabalho e do saber (Pinheiro 2021). Trata-se de um
procedimento que visa acelerar e direcionar o processo de decomposição de materiais orgânicos que
ocorre espontaneamente na natureza, mas que, com maior influência das variações dos fatores ambientais,
tem sua estabilização protelada (Berton et al. 2021). Já a aplicação de rochas moídas no solo, cnica
usada desde o fim do século XIX (Hensel 1898), adiciona uma vasta quantidade de minerais e nutrientes
que foram perdidos ao longo dos processos intempéricos ou antrópicos (Van-Straaten 2007).
A compostagem conjunta de resíduos orgânicos e rochas moídas alia duas técnicas ancestrais, mas é
pouco difundida, ainda que o pó de rocha estimule a atividade biológica (Uroz et al. 2015) e atividade
biológica favoreça o intemperismo dos minerais (Harley & Gilkes, 2000). Diante das ideias apresentadas,
este trabalho teve como objetivo avaliar um fertilizante produzido pela compostagem conjunta de resíduos
orgânicos e rochas moídas, fontes regionais de nutrientes.
Höfig and Martins 33
Metodologia
O experimento foi conduzido na Fazenda Ouro Verde, Unaí/MG. Os componentes utilizados para a
produção do composto foram cama de bovino, silagem de milho, casca de café, gesso agrícola, pó de
rocha mica xisto (Tabela 1) e, como inoculante, a Solução de Microrganismos JADAM (Cho 2018). A
cama de bovino foi constituída de capim Napier triturado e dejetos de bovinos. Considerou-se 5 kg de
cama seca por dia de confinamento por animal, tendo em vista a retenção total de sua urina (Khatounian
2001). Os bovinos ficaram por 90 dias excretando seus resíduos sobre o material.
O tratamento possuía uma leira de 35 metros, com altura entre 1,2 e 1,5 metros e largura entre 1,8 a 2
metros, em que havia 1.411 kg de cama de bovino/m de leira, 1.347 de casca de café/m de leira, 218 kg
de silagem de milho/m de leira, 166 kg de gesso/m de leira e 735 kg de rocha moída/m de leira.
O micaxisto, por ter mais de 25% de quartzo em sua composição, está registrado no Ministério da
Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) como material secundário, sob número GO-00664, com
garantia de 4% de K2O, 57% de SiO2, 3,7% de MgO e 1,1% de CaO. A mineralogia do material aponta
cerca de 26% de muscovita, 15% de oligoclocásio, 12% de biotita, 11% de clorita clinocloro, 1,76% de
albita, 0,88% de microclínio, 0,8% de ilmenita e 0,64% de magnetita.
Todos materiais foram analisados separadamente em laboratório antes do início do processo
compostagem e, considerando a proporção de cada um no produto, encontrou-se a relação C:N inicial
entre 25 e 35 (Tabela 1). Foram registrados diariamente a temperatura das leiras, a umidade, o cheiro,
bem como as atividades realizadas para manutenção da aeração e do umedecimento. A temperatura foi
medida com termômetro digital tipo espeto e a umidade do comporto foi avaliada pelo o tato.
A realização da aeração foi feita com o compostador Jaguar JC 4000 e a umidificação foi realizada
com um tanque pipa de 20 mil litros rebocável, de acordo com os dados obtidos no monitoramento
diário. O manejo foi realizado em pátio aberto sobre piso de terra compactada, mantendo-se a umidade
do material entre 50 e 60% até a fase de maturação. O processo de compostagem de todos tratamentos
foi finalizado com 55 dias de manejo, tendo início no dia 23 de julho e término no dia 16 de setembro de
2022.
Foram coletadas três amostras compostas, enviadas para análise no Laboratório Andrios,
credenciado pelo MAPA, onde foram avaliadas características físicas, químicas, orgânicas,
sanitárias (uso do kit COLItest®) e biológicas (Höfig et al. 2022). Para os valores absolutos, calculou-
se a média de três análises compostas, bem como seu desvio padrão.
Resultados e discussão
O experimento apresentou mais de 14 dias com temperaturas acima de 55C, ausência de coliformes
totais e de germinação de plantas espontâneas, o que demonstra que ocorreu o processo da fase termofílica
de compostagem (Figura 1). Estudos demonstram que o aumento da temperatura da leira do composto
devido à proliferação de microrganismos exotérmicos é essencial na eliminação de transmissores de
doenças e de sementes de plantas indesejadas, como, por exemplo, Heck et al. (2013).
Ademais, o adubo produzido tem características que não causam nenhum efeito prejudicial ao
desenvolvimento das plantas, visto que, conforme testes de germinação conduzido em casa de vegetação,
a avaliação realizada com sementes de plantas indicadoras mostrou que os ensaios que receberam
composto obtiveram taxa de germinação maior do que no teste com apenas areia (Tabela 2). O ensaio
também não demonstrou emissão de odores, causados, principalmente pela decomposição anaeróbia dos
34
Estrabão (4) 2023
Tabela 1. Mater
iais utilizados nos tratamentos de compostagem, suas proporções em peso seco e características
Relação
C:N
22,2
21,7
51,5
UR a
65 °C
23,2
6,9
11,5
18
M. O.
C
N
P
2
O
5
%
<1
<1
<1
0
0
K2 O
CaO
MgO
S
Si
%
Composto
35
30
5
5
25
ρ
g/cm3
0,51
0,4
0,3
0,9
1,1
0
33
0
0
3
0
1,2
0
<1
<1
-
-
0
Höfig and Martins
35
materiais orgânicos, devido a bolsões nos quais o oxigênio não consegue penetrar, quer por excesso de
umidade ou por maior compactação (Berton et al. 2021), o que também demonstra que a compostagem
foi bem conduzida.
Figura 1. Temperaturas das leiras ao longo do tempo (C).
Os resultados dos parâmetros físicos, químicos, orgânicos, biológicos e sanitários do fertilizante estão
apresentados na tabela 2. A qualidade de um composto tem relação com o teor de nutrientes, relação
C:N, umidade, teor de matéria orgânica, granulometria, grau de humificação e contaminação. Determinar
padrões de qualidade para produtos orgânicos a agricultura pode ser uma tarefa difícil, por causa da
heterogeneidade de subprodutos agregados, mas a presença de macronutrientes primários e secundários
indica que o produto é um fertilizante completo (Weindorf et al. 2011).
Entretanto, é uma irracionalidade científica reduzir uma matriz orgânica ao seu conteúdo mineral e
desconsiderar toda sua riqueza biológica e complexidade bioquímica. Apenas o fator nutricional o
explica as evidências e, por isso, não se deve encarar o composto como uma forma orgânica de NPK.
Se tentarmos equalizar o teor de NPK de uma adubação orgânica em relação a uma adubação química,
dificilmente será vantajoso se utilizar a fonte biológica. A matriz orgânica é como um fermento que
vivifica e estrutura o solo, o que potencializa a disponibilidade dos nutrientes existentes na fase mineral
desse organismo vivo. Os nutrientes liberados diretamente após a decomposição da matéria orgânica do
composto é apenas mais um dos benefícios.
No tocante à enzima βglicosidase, indicadora de qualidade biológica do solo e relacionada com
a ciclagem de matéria orgânica, especialmente celulose (Pinheiro 2021), o resultado foi menor que
36
Estrabão (4) 2023
Tabela 2.
Laudo químico, físico, orgânico e biológico do
Determinação
pH CaCl2
Relação C:N
Densidade
Umidade
Nitrogênio
total
P2O5
K2O
CaO
MgO
Enxofre total
Silício total
CTC efetiva
Matéria orgânica
total
Carbono
Análise
Base
Média
7,2
14
0,70
28,49
1,27
0,75
1,77
2,73
0,86
0,64
10,6
456,67
31 09
Desvio
0
0
0,02
0,46
0,05
0,04
0,01
0,14
0,03
0,02
1,56
18,86
1 41
úmida
g.cm
Química/física
%
seca
mmol
c
.kg
1
%
Orgânic
17,27
8,36
0,79
0,67
Ácido
(AH)
Ácido
húmico
g.kg1 C orgânico
fúlvico
6,46
0,94
(AF)
Relação AH:AF
1,31
734,67
162,67
9,54E+06
0,09
177,02
21,75
10224764,06
Fosfatáse ácida
β-
glicosidase
Microrganismos
celulolíticos
Microrganismos
diazotróficos
Taxa de germi
-
nação P.I.
areia
Taxa de germi
-
nação P.I.
1%
Germinação
plantas
espontâneas
Coliformes totais
µ
g PNF.g
1
.h
1
µ
g PNG.g
1
.h
1
NMP.g
1
Biológica
úmida
5,44E+01
26,40
80
0,00
%
83,33
9,43
Presença ou
ausência
Sanitária
Ausência
PNF (Paranitrofenil fosfato). PNG (p-nitrofenil-β-D-glicosídeo). NMP (Número mais provável). P.I: Plantas
Höfig and Martins
37
o encontrado por Höfig et al. (2022) em trabalho com os mesmos materiais orgânicos, mas com calcixisto.
Da mesma forma, o valor da enzima fosfatase ácida, associada ao ciclo do fósforo e reveladora da alta
atividade de microrganismos mineralizadores de fósforo (Zago et al. 2020), também foi mais baixo que
oencontrado por Höfig et al. (2022).
Esse conjunto de inoculantes, acoplado a substâncias orgânicas complexas, altera para melhor
a eficiência de absorção dos elementos minerais no solo, na medida em que favorecem sua ativação
biológica. A fosfatase é essencial para disponibilizar o fósforo presente nos solos sob clima tropical,
pois, em solos altamente intemperizados, grande parte do P é imobilizada no solo, em virtude de reações
de precipitação, adsorção e fixação em coloides minerais (Vinha et al. 2021). A enzima β-glicosidase
atua na liberação da glicose, que age como importante fonte de energia para os microrganismos (Zago et
al., 2018).
Em relação aos microrganismos celulolíticos, vinculados ao ciclo do carbono, decomposição da
matéria orgânica, principalmente fibra (palha), e equilíbrio de nutrientes através da decomposição da
celulose (Yang et al. 2014), e os diazotróficos, fixadores de nitrogênio atmosférico (Sousa et al. 2020),
onúmero foi maior que o encontrado por Höfig et al. (2022). Primavesi (2021) aponta que apenas
o número de microrganismos não garante vida no solo, pois eles precisam de atividade para produzirem
enzimas. Já para os microrganismos diazotróficos, o número volta a ser menor em relação ao mesmo
estudo. Cho (2018) ressalta, porém, que mais de 99% dos microrganismos do solo são desconhecidos,
sendo que seus poderes estão em sua diversidade e suas características autóctones. O autor não recomenda
a seleção de microrganismos. Em contrapartida, Leal et al. (2021) apontam que as bactérias fixadoras de
nitrogênio são consideradas como um dos grupos de maior importância na agricultura tropical.
Na tabela 3 estão expostos alguns índices de qualidade. Foi alcançado o período termofílico mínimo
necessário para redução de agentes patogênicos (Brasil, 2017) e todos os parâmetros do MAPA foram
atingidos, o que garantiria o produto como um fertilizante orgânico composto classe A, conforme critérios
estabelecidos pela Instrução Normativa nº 23, de 31 de agosto de 2005 do Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (MAPA, 2005).
Além disso, também foram atingidos os parâmetros de Capacidade de Troca de Cátions (CTC)
efetiva e índice de germinação de sementes. A CTC se encontra com valor bem acima do índice de
qualidade. Isso pode estar relacionado aos minerais silicáticos secundários formados pelo intemperismo
dos minerais primários do pó de rocha utilizados (Höfig et al. 2022), além de estar ligado aos teores de
matéria orgânica.
O único parâmetro que não foi alcançado foi o de relação AH/AF. Esta é tida como referência para
ograu de humificação de compostos orgânicos e, quanto maior a relação AH/AF, mais humificado
é o composto (Riffaldi et al. 1992). Contudo, Bernal et al. (1996) constataram que não é possível
estabelecer um valor universal para descrever e prever o grau de maturação de compostos de composições
distintas.
Ainda assim, de fato, nesta compostagem, por estratégia, não ocorreu por completo a fase de
maturação. Considerando o efeito, em clima tropical, da importância da matéria orgânica o decomposta
na melhora da atividade biológica e estrutura do solo (Primavesi 2021), em alguns locais no Brasil,
tem-se terminado o manejo da compostagem antes da fase de maturação, para que essa fase ocorra
na lavoura. Magalhães et al. (2021), por exemplo, consideraram o composto feito com resíduos da
agroindústria do palmito pronto com 45 dias. Isto é, indica-se o uso de compostos estabilizados, após
a fase termofílica (Berton et al. 2021), mas menos maturados, desde que aplicados com antecedência
38
Estrabão (4) 2023
Tabela 3. Parâmetros de qualidade para fertilizantes
Dentro do padrão de
referência?
Não
Parâmetro de
qualidade
Relação AH/AF
Índice de germinação de
sementes
CTC efetiva
Teor de Nitrogênio
Umidade
pH CaCl
2
Carbono
Orgânico
Relação C/N
Relação CTC/C
Padrão de
referência
> 1,6
Fonte
Ko et al., 2008
Buchanan et al., 2001
> 100 mmol
c
/kg
> 1%
< 50%
> 5,5
>15%
< 18
>20
14 dias > 55
C ou 3 dias >
Kiehl, 2004
Sim
MAPA, 2005
Brasil, 2017
Höfig and Martins
39
em relação à plantação, porque as moléculas mais facilmente biodegradáveis que ainda existem serão
mineralizadas pelos microrganismos do solo. Höfig et al. (2022) utilizaram a mesma estratégia.
A visão cartesiana que domina grande parte do pensamento científico atual nos coloca como
observadores externos da natureza. No entanto, na agricultura, dificilmente se lida com o microscópio.
Apenas compreendendo as relações entre as diversas manifestações da vida se encontra a conservação
da capacidade produtiva duradoura dos meios de produção, a qualidade de nosso ambiente, a qualidade
dos produtos alimentícios e a relação entre o agricultor, seu trabalho e sua terra. Não se pode negar
o progresso e todo o trabalho que levou a humanidade até aqui, mas, como apontado por Schumacher
(1983), soluções científicas ou tecnológicas que envenenem o ambiente ou degradem a estrutura social
e o próprio homem não são benéficas, por mais brilhantemente concebidas ou por maior que seja seu
atrativo superficial.
A insistência nos resultados quantitativos demonstra uma fraqueza no atual modelo de pesquisa
agrícola, já que, diferente da física e da química, na agricultura, dados numéricos não constituem a
perfeição, e, na natureza, não existe uma única causa, nem uma única consequência ou solução.
Como não existe um compartimento que possa ser utilizado isoladamente para refletir a qualidade do
ambiente solo, o uso de matéria orgânica como indicador não adquire sentido para a agricultura moderna,
pois seu manejo não pode ser descontextualizado da atividade do agricultor e do modo de se fazer
agricultura. O manejo depende basicamente do agricultor e das condições ecológicas da sua atividade,
determinando um estudo complexo, porém, bastante particular, tornando pouco fecundo qualquer tipo de
generalização (Canellas et al. 2005). É o agricultor que entende sua propriedade e é ele que diariamente
entra em contato com as forças da natureza que comandam a dinâmica do agroecossistema. Com isso,
determinado manejo pode ou não ter resultado em função da relação entre a experiência do agricultor e a
previsão científica, não se enquadrando em qualquer tipo de pacote tecnológico.
Considerando que, geralmente, o que determina a dose máxima de composto aplicado por hectare
são os fatores operacionais e econômicos, o uso de pó de rocha implica em diminuição da quantidade
orgânica do composto aplicado. Nesse sentido, especialmente em países tropicais, é essencial estudos
que avaliem a qualidade de um adubo produzido em compostagem conjunta de rochas moídas e resíduos
orgânicos. Koepf et al. (1983) apontaram que é vantajoso ter-se um mínimo de 5-10% de pó de basalto
em qualquer composto, mas não mais que 30%.
Com o percentual correto da parte orgânica e mineral, não se interfere negativamente na atividade
microbiana do composto e se possibilita o aproveitamento das temperaturas e os ácidos formados durante
oprocesso de compostagem para propiciar e acelerar reações entre as duas porções (orgânica e mineral).
Assim, parte desses minerais ficam disponíveis e ao mesmo tempo protegidos (ligados à parte orgânica)
de perdas por volatilização, lixiviação e adsorção. Khatounian (2001) aponta que a utilização de pós de
rocha está associada à ativação biológica do sistema.
Produzir seu próprio adubo com fontes regionais de nutrientes demonstra a evolução, consciência e
sucesso da resistência e empoderamento dos agricultores e da agricultura na construção de uma nova
realidade em busca da autonomia, superando as vontades do mercado (Pinheiro 2021).
Considerações finais
Um sistema de produção agrícola é o reflexo das concepções e técnicas de manejo do ambiente que estão
na cabeça do agricultor que gerencia esse sistema. O composto, portanto, é apenas um produto e, o solo,
40 Estrabão (4) 2023
um dos elementos do ecossistema. É necessário entender a ideia de que se deve manejar processos, e não
apenas aplicar produtos, além de acreditar que a fertilidade está no agroecossitema, e não somente no
solo.
As análises química, orgânica, biológica e sanitária indicam que o processo de compostagem foi
realizado de forma correta. Com isso, o composto produzido com fontes regionais de nutrientes possui
boa qualidade e é passível de ser aplicado na agricultura, já que atende aos requisitos necessários para
ser enquadrado como fertilizante orgânico composto classe A.
A compostagem conduzida de forma mecanizada é uma tecnologia intermediária e, como tal, dotada
de fisionomia humana, é de ampla aplicabilidade, propícia para um ambiente simples e rudimentar,
diferente da tecnologia requintada, e, por isso, a forma com que se monta as leiras e se maneja a
compostagem é essencial para seu sucesso. O ato de compostar cria um vínculo do agricultor com
o adubo e transforma produtos orgânicos em um material de fácil armazenagem e manuseio, com
características químicas e biológicas que atendem as necessidades agrícolas, potencializando atributos
positivos e corrigindo propriedades indesejáveis dos materiais orgânicos, como coliformes, sementes de
plantas espontâneas e o extremo calor causado pela decomposição da matéria orgânica crua.
Sendo assim, o segredo da agricultura não está no químico ou no orgânico, na realidade está
na combinação de todos os manejos necessários à manutenção da vida, de tal forma que o agricultor
tenha seu território sob sua tutela. O uso de composto orgânico enriquecido com pó de rocha é uma
das ferramentas possíveis para se alcançar esse objetivo. Entretanto, é extraordinariamente difícil para
pessoas educadas segundo os métodos analíticos convencionais, notar e confiar no uso das forças atuantes
na vida, que podem trazer autossuficiência para o agricultor.
O gradativo processo de desapropriação dos agricultores os transformam em meros apêndices da
indústria. Produzir seu próprio adubo é um ato de resistência, visando a autonomia dos agricultores e a
regeneração do ambiente. Trata-se, portanto, de algo além de uma substituição de insumos ou de redução
de custos, mas, sim, de uma mudança de concepção sobre o manejo de fertilidade dos agroecossistemas.
Contribuições
Pedro Höfig: Escrita, revisão e edição
Eder de Souza Martins: Supervisão
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