Impacto das parametrizações de
microfísica e de camada limite
planetária na simulação de eventos
meteorológicos intensos em Santa
Catarina usando o modelo WRF
Gerson Luiz Camillo
1
and Dirceu Luis Herdies
2
Estrabão
Vol(2):200203
©The Author(s) 2021
DOI: 10.53455/re.v2i.54
Resumo
Eventos extremos associados a fenômenos meteorológicos são ocorrências que causam estragos materiais e impactos
socioeconômicos diversos. Esses eventos têm ciclo de vida curto, em geral, até duas horas, mas que podem se
estender por até seis e 12 horas. Existem diversas abordagens para previsibilidade e uma delas faz uso de modelos
numéricos de previsão de tempo. Neste trabalho se quer investigar o conjunto de parametrizações de camada limite
e de microfísica que melhor respondem à previsão de eventos atmosféricos intensos. Será usado o modelo de código
livre Weather and Research Forecasting (WRF) para fazer os experimentos e a metodologia será por meio de estudo
de caso de evento extremo ocorrido no oeste catarinense em 14 de agosto de 2020. Ao final, espera-se encontrar
uma configuração do WRF que possa ser usada operacionalmente para predizer e monitorar eventos atmosféricos
intensos.
Palavras-chave
Eventos, Extremos, WRF
Introdução
Eventos atmosféricos intensos são manifestações da atmos-
fera na forma de precipitação intensa, granizo, ventos fortes
associados ou não a rajadas e tornados. Estão associados a
nuvens cumulonimbus e estas podem se formar de forma
isolada ou em conjunto. Elas podem se organizar de diversas
formas, e uma delas é em forma de linha de instabilidade.
As linhas de instabilidade pré-frontais são um conjunto de
nuvens, especialmente cumulonimbus, em forma de linha,
que se desenvolvem e avançam na dianteira de um sistema
frontal (Reboita, 2012). As linhas de instabilidade também
podem se formar em conjunto aos sistemas convectivos de
mesoscala (SCM), representando igual nível de atividade
de tempo severa. Com o tempo foram sendo desenvolvidos
diversas técnicas para prever a intensidade, deslocamento e
área de atuação desses sistemas. Um dos mais usados é a
modelagem numérica de tempo.
Modelos numéricos de previsão de tempo (em inglês,
Numerical Weather Prediction - NWP) constituem a fer-
ramenta primordial para a previsão do estado futuro da
atmosfera. E, a partir das principais variáveis atmosféricas
prognosticadas, estimar os principais fenômenos atmosféri-
cos, a precipitação, ventos, nebulosidade, etc. O processo de
modelagem parte do instante no tempo no qual o estado da
atmosfera deve ser o mais preciso possível. Esse instante cor-
responde ao conjunto de observações atmosféricas globais,
do ar à superfície, do ar superior e da superfície do mar.
As formulações físico-matemáticas permitem discretizar
as equações que regem o comportamento da atmosfera
e seus processos em altas resoluções espaciais (horizon-
tais e verticais), entretanto, isso demanda o uso de super-
computadores, com alto rendimento computacional, o que
limita o uso de altas resoluções espaciais. Entram em cena
as parametrizações, conjunto de formulações matemáticas
ideais para determinados processos. A questão é que para
cada tipo de processo físico a modelar, há um conjunto de
parametrizações à escolha. Além das parametrizações inter-
agirem entre si, questões geográficas (latitude, orografia) e de
modelo (tamanho de grade, quantidade de níveis na vertical)
impactam nas previsões dos eventos atmosféricos.
Um modelo que pudesse fornecer entre 6 e 12 horas antes
uma informação sobre condição para tempo severo poderia
ajudar na decisão dos órgãos de monitoramento e de defesa
civil. Para isto é necessária uma configuração de modelo que
tenha a melhor sensibilidade para prever o desenvolvimento
destes tipos de sistemas convectivos.
Desta forma, quer-se investigar a sensibilidade do modelo
Weather and Research Forecasting (WRF) (Skamarock,
2019) para diferentes parametrizações de camada limite
planetária (PBL) e de microfísica de nuvens (MP)
considerando os efeitos sobre índices de estabilidade e
1 Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)
2Progrmaa de Pós Graduação em Clima e Ambiente, Instituto Federal
de Santa Catarina, Florianóplois
Email: dirceu.herdies@inpe.br (Dirceu Luis Herdies)
Corresponding author:
Gerson Luiz Camillo, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)
Email: gerson.camillo@gmail.com
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variáveis atmosféricas indicadoras de probabilidade de
convecção profunda e violenta.
A proposta do presente trabalho visa indicar configurações
do modelo WRF que podem resultar em simulações
mais realistas de eventos severos considerando a área
geográfica do Estado de Santa Catarina. Com isso, haveria
disponibilidade de mais uma ferramenta que pode ajudar
a melhorar os sistemas de alerta de tempo severo e, em
consequência, minorar perdas materiais e de vidas.
Revisão Bibliográfica
A atmosfera terrestre possui um estado e este pode ser
quantificado através de um conjunto de variáveis, dentre elas
a temperatura, a umidade, a pressão e o vento. As mudanças
no estado atual para um estado futuro são governadas por
equações diferenciais parciais da dinâmica de conservação
da massa (hidrodinâmica em particular), termodinâmica
e dos gases (Bauer, Thorpe, & Brunet, 2015). Mas
muitos processos atmosféricos não podem ser diretamente
modelados e representados por variáveis e equações
considerando a falta de resolução e na complexidade desses
processos, o que demandaria muito tempo computacional
para considerar todas as interações (Stensrud, 2007; Warner,
2011).
As equações devem ser resolvidas numericamente e as
discretizações espaciais e temporais não permitem obter
soluções analíticas para todos processos e interações na
atmosfera. Os processos que não podem ser resolvidos
explicitamente são tratados através de esquemas de
parametrização (Bauer et al., 2015). São simplificações
da física e da matemática desses processos que permitem
a execução e a obtenção de resultados em tempo útil.
Atualmente, as parametrizações que são relevantes à
previsão de tempo estão ilustradas na Figura 1, conforme
Bauer, Thorpe e Brunet (2015, p. 48). Há alguns fatores
relacionados às parametrizações e que são importantes na
acuracidade das previsões. O primeiro aspecto é que várias
interagem entre si diretamente e algumas delas possuem
diferentes formulações para diferentes escalas espaciais.
Portanto, estudos de sensibilidade procuram determinar
conjuntos de parametrizações que melhor respondem em
uma área geográfica para determinados fenômenos. casos
em que estações do ano também podem impactar no vel de
predição.
O WRF possui um conjunto grande de parametrizações,
geralmente várias para cada processo físico a modelar. Duas
dessas parametrizações vêm sendo investigadas na literatura
(Comin, Justino, Pezzi, de Sousa Gurjão, Shumacher,
Fernández & Sutil, 2021; ) (Efstathiou, Zoumakis, Melas,
Lolis, & Kassomenos, 2013; Moya-Álvarez et al., 2020;
Schwitalla, Branch, & Wulfmeyer, 2020) como importantes
na acurácia da previsão de eventos de chuva intensos. A
primeira e mais importante é a parametrização de microfísica
de nuvens (MP) e ela inclui a resolução explícita do vapor
de água, de nuvens e dos processos de precipitação (todos
os tipos) (Skamarock, 2019; Warner, 2011). Sua escolha
determina o somente a quantidade como também o padrão
de distribuição espacial de precipitação, principalmente nos
modelos regionais (Chawla, Osuri, Mujumdar & Niyogi;
2018).
A camada limite planetária é a porção inferior da
atmosfera de altura de poucos metros a alguns quilômetros
na qual os processos de fluxos de energia são mais intensos.
É a parte da troposfera que é diretamente influenciada
pelo regime de aquecimento solar e resfriamento, estando
intimamente ligada à superfície terrestre. Pela complexidade
dos processos que nela ocorrem, ela também é parametrizada
nos modelos numéricos (Stensrud, 2007). A parametrização
de camada limite planetária (PBL) exerce papel fundamental
na previsão de precipitação (Shin & Hong, 2011).
Alguns autores investigaram a sensibilidade de modelos na
previsão de precipitação considerando somente os diferentes
esquemas de PBL (Moya-Álvarez et al., 2020).
As parametrizações de MP e de PBL foram avaliadas
no WRF para simular eventos intensos de precipitação em
localidade ao norte da Grécia (Efstathiou et al., 2013).
Foram testados dois esquemas de PBL (MYJ e YSU) e
três esquemas de microfísica (Purdue Lin, WSM6 e ETA),
totalizando seis experimentos. Foram definidos três domínios
aninhados, tendo o externo cobrindo boa parte da Europa e
norte da África (27 km), enquanto os outros dois domínios
cobriam áreas da Grécia (9 km) e a de maior resolução (3
km), o norte do país. Os diferentes esquemas de PBL e
MP tiveram diferenças quanto à distribuição e intensidade
da precipitação, mas as precipitações mais intensas foram
melhor simuladas pela parametrização MP ETA e PBL YSU.
Os autores C Chawla, Osuri, Mujumdar, and Niyogi
(2018) investigaram o WRF quanto à simulação de eventos
de chuva extrema na bacia do rio Ganga. Foram feitos
experimentos com quatro tipos de parametrizações de
microfísica, duas de cumulus, duas de PBL e duas opções
de superfície, além de diferentes resoluções de grade.
Os resultados apontaram para o seguinte conjunto de
parametrizações: MYJ (PBL), BMJ (cumulus) e Goddard
(MP). Outros achados: identificaram a influência do
parâmetro de (PBL) na modulação da magnitude da
precipitação enquanto o padrão de distribuição dela sendo
impactada pelo fator MP. Um outro aspecto relevante foram
os melhores resultados para o conjunto de duas grades de 27
e 9 km, quando comparado com os domínios de 27 e 3 km.
Apesar deste último trabalhar com grade de resolução maior,
os processos de interação (downscaling) possuem melhores
respostas nas proporções de grade menores, como foi o caso
do primeiro conjunto, de 3 para 1 (27:9 km).
A convecção sobre a península Arábica foi estudada por
Schwitalla, Branch e Wulfmeyer (2020) através do modelo
WRF. As parametrizações testadas foram a PBL e a MP
e o objetivo era verificar qual conjunto reporta melhores
resultados de potencial de desenvolvimento convectivo
intenso. A consequência é a possibilidade de eventos
intensos de precipitação e ventos fortes. Os melhores
resultados foram obtidos pelos esquemas MYNN (PBL) e
Thompson (MP).
Tendo como região de interesse a região geográfica
das montanhas do Peru, Moya-Álvarez, Estevan, Kumar,
Rojas, Ticse, Martínez-Castro e Silva (2020) fizeram
experimentos com o modelo WRF mas considerando apenas
a parametrização de camada limite planetária (PBL). Foram
definidas duas grades com resolução espacial de 18 e 6 km.
A orografia acidentada da área é uma questão sensível para
os modelos numéricos e, em última análise, na definição dos
Camillo and Herdies 202
Figure 1. Processos físicos importantes para a previsão de tempo e que são resolvidos por parametrizações (Bauer et al., 2015).
diversos parâmetros. A intensa variabilidade das elevações
pode refletir na energia das ondas na solução das equações
do modelo, o que pode gerar o desenvolvimento de
instabilidades não-lineares (Warner, 2011). Nas definições
dos limites das grades, devem ser evitados que atravessem
áreas de relevo acidentado, pois podem gerar resultados
errôneos.
A pesquisa tratou de averiguar um total de dez esquemas
de PBL. De forma geral, todos as parametrizações levaram a
uma estimativa abaixo da quantidade de precipitação sobre
os Andes Peruanos, em média sete por cento. O esquema
MYJ (Mellor-Yamada-Janjic) foi o que apresentou a média
de precipitação mais próxima à observada, mas também
foi o que apresentou a menor variabilidade (logo, menos
sensível a extremos de precipitação). O esquema BL ou
BouLac (Bougeault–Lacarrère) foi o que apresentou maior
variabilidade, mas neste caso foi além do que foi registrado
pelas observações de precipitação.
Um dos trabalhos mais recentes no sentido de estudar
tipos de parametrizações e seu impacto na estimativa de
precipitação, foi dos autores Comin, Justino, Pezzi, de Sousa
Gurjão, Shumacher, Fernández & Sutil (2021). Usaram
o modelo WRF para estimar previsões de eventos de chuva
extremos no Nordeste do Brasil, mais especificamente na
região litorânea. Foram definidos como fatores a investigar
o conjunto de parametrizações de microfísica (MP) e de
camada limite planetária (PBL). Foram seis esquemas de MP
e três de PBL considerando três grades aninhadas: 25 km, 5
km e 1,66 km.
Foram realizados um total de 24 experimentos con-
siderando o período de 20 a 30 de maio de 2017. Em
aspectos gerais, as simulações capturaram bem a quanti-
dade e a distribuição espacial das chuvas extremas. Os
esquemas de microfísica WSM3, WSM6 e Morrison-2mom
apresentaram similares resultados de distribuição espacial da
precipitação. O esquema YSU (PBL) foi o que apresentou os
melhores resultados de distribuição temporal e espacial da
precipitação, para qualquer parametrização de microfísica.
Independente da configuração dos esquemas, a grade de
resolução de 1,66 km foi a que apresentou os dados mais
consistentes de simulação de quantidade de precipitação.
Metodologia
A pesquisa se de natureza aplicada e os experimentos serão
realizados sobre um caso típico de evento extremo ocorrido
no dia 14 de agosto de 2020 no oeste catarinense. O avanço
de um sistema de linha de instabilidade desde o norte do
Rio Grande do Sul e se deslocando pelo oeste catarinense
levou à formação de diversos fenômenos intensos, como
precipitação, ventos e granizo. A proposta é de estudo
desse caso, no qual serão realizados experimentos com
o modelo WRF com o objetivo de identificar o conjunto
de parametrizações que melhor respondem à previsão dos
eventos extremos associados.
A metodologia básica é executar o modelo WRF para
diferentes parametrizações e os resultados serem submetidos
a duas validações: a primeira é verificar os dados de saída
perante dados observacionais obtidos de centros de previsão
e de pesquisa; a, segunda; identificar qual parametrização
impactará nos índices de estabilidade para formação de
trovoadas intensas. Quando for possível, verificar com
índices calculados a partir de dados observacionais.
O modelo WRF é constituído por diversos módulos e
todos são de código fonte aberto e livre. O código pode
ser compilado para sistemas Linux executando em sistemas
computacionais de uso pessoal, como computadores e
notebooks. O único impacto será no tempo de simulação, que
é dependente da arquitetura dos processadores usados.
Conclusão
O trabalho de pesquisa ainda se encontra na fase de
definição dos experimentos e na abordagem para quantificar
os resultados. As dificuldades que poderiam advir estão
relacionadas ao acesso a dados observacionais. Não tanto
por óbices de empresas e institutos, mas, mais por falta de
instrumentos de observação na área estudada.
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