As dimensões do ensino de
Geografia da Saúde no Brasil
Bruno Porto, Helen Gurgel
1
and Rafael Catão
2
Estrabão
Vol(3):16- 28
©The Author(s) 2022
DOI: 10.53455/re.v3i.27
Abstract
Contexto: A geografia da saúde é uma área de pesquisa que se torna cada dia mais importante,
especialmente no Brasil onde a presença de um sistema único de saúde é tema de muitas
pesquisas. De modo a conhecer a abrangência do ensino de Geografia e Saúde nos cursos de
geografia, foi realizado um estudo para avaliar a disponibilidade de disciplinas sobre essa temática
nas universidades públicas brasileiras. Para tal, foi elaborado e enviado aos coordenadores dos
cursos de geografia um questionário online e foi realizada entrevistas abertas com professores
da área da saúde sobre a utilização da geografia em suas aulas. Resultados: apenas cerca de um
terço dos cursos possuem uma disciplina na temática de geografia da saúde, e elas tendem a ser de
caráter optativo e não possuir oferta frequente. Além disso, professores da área de saúde afirmaram
que utilizam técnicas e saberes de geografia da saúde, mas não conheciam essa temática de
pesquisa, pelo menos não por esse nome. Conclusões: apensar do aumento de estudos nessa
temática ainda uma importante lacuna no ensino da geografia da saúde no Brasil, provavelmente
devido abaixa institucionalização e divulgação dessa temática. Portanto, recomenda-se um esforço
na divulgação e institucionalização dessa temática a partir da oferta de disciplinas e ões de
interação da geográfica com cursos da área da saúde.
Palavras-chave: Geografia da Saúde, Ensino, Brasil.
Keywords
Geografia da Saúde, Ensino, Brasil.
1 Universidade de Brasília
2Departamento de Geografia, Universidade Federal do Espirito Santo
Corresponding author:
Bruno Porto,
Email: brunolofranoporto@gmail.com
17 Estrabão (3)2022
Introduction
Em 1984 o Professor de Geografia e Epidemiologia Jonathan Mayer da University of Washington
em Seattle publicou o artigo “Medical Geography: An Emerging discipline”, no qual ele argumenta
justamente que a, então, Geografia Medica, era uma disciplina emergente, além de demonstrar várias
potencialidades e possíveis temáticas de pesquisa, argumentando principalmente que a Geografia Médica
era utilizada em pesquisas, especialmente epidemiológicas, mesmo que isso não se desse de forma
explícita.
Como Barcellos et al mostram em seu artigo de 2018 “Geografia e Saúde: O que está em jogo?
Histórias, temas e desafios”, não o termo mais utilizado para a disciplina mudou, de Geografia Médica
para Geografia da Saúde, como o próprio pensamento científico da área evoluiu consideravelmente.
Dentre alguns dos novos estudos na área destacam-se: os de Jean-Pierre Hervouët sobre as relações entre
ambientes e sociedades mostrando o surgimento de áreas de risco à saúde; os trabalhos de Peter Gould
sobre doenças sem um nicho específico de difusão, principalmente a AIDS, dentre outros. Esse mesmo
artigo traz que:
A geografia da saúde procura compreender o contexto em que ocorrem os problemas
de saúde, para poder atuar sobre territórios, não sobre os indivíduos, nem sobre
organismos. Diferente de outras disciplinas, a geografia busca uma perspectiva
macroscópica dos problemas de saúde, permitindo compreender a dinâmica do
processo saúde-doença e de doença-atenção à saúde. A diversidade de temas da
geografia da saúde é também resultado dos diversos campos de atuação da Saúde
Coletiva, que reúne as ações de vigilância de doenças e seus determinantes, a
atenção e organização dos serviços de saúde, e a promoção de saúde, esta última
de desenvolvimento relativamente recente. Estudar estes problemas requer uma visão
ampliada de saúde, que abarque desde a prevenção de doenças até o acesso a serviços
de saúde, isto é, reconhecendo a inseparabilidade do processo de saúde-doença-
atenção.
(BARCELLOS et al, 2018.)
Portanto, A Geografia da Saúde é uma disciplina que evoluiu muito desde sua condição de “emergente”
e, é hoje utilizada no âmbito das tomadas de decisões públicas e nos estudos de atenção e de prevenção
de doenças. Exemplos claros disso são os boletins epidemiológicos disponibilizados pelo ministério da
saúde que atualmente sempre possuem mapas, tabelas de distribuição espacial e outros dados amplamente
utilizados na Geografia da Saúde. O volume 52 de janeiro de 2021, por exemplo, apresenta um mapa
de casos confirmados de sarampo por estado brasileiro e uma tabela de casos confirmados e óbitos
distribuídos por cada estado. Porém, para que as técnicas e abordagens da geografia (GURGEL e
LAQUES, 2019) sejam cada vez mais aplicadas na saúde é necessário que os geógrafos formandos pelas
universidades brasileiras conheçam as relações entre geografia e saúde e assim possam ofertar os seus
conhecimentos as ações de saúde. Neste contexto, o objetivo desse estudo é analisar a oferta de disciplinas
na temática de geografia e saúde nos cursos de graduação em geografia no Brasil.
Porto, Gurgel and Catão 18
Metodologia
De modo a atingir o objetivo proposto a pesquisa foi realizada em múltiplas fases. A primeira
foi o levantamento dos cursos de Geografia ofertados nas universidades públicas brasileiras. Esse
levantamento foi feito a partir do portal e-MEC. A partir dos dados levantados foram elaborados tabelas
e mapas com a distribuição por estado dos cursos catalogados.
Posteriormente, foi elaborado um formulário eletrônico sobre a oferta de disciplinas na temática de
Geografia e Saúde que foi enviado via e-mail para os coordenadores dos cursos de geografia catalogados.
O questionário ficou disponível entre junho e julho de 2020. O nome dos coordenadores foi obtido
através do portal e-MEC, a partir disso buscou-se o contato destes por duas vias principais, o site
da instituição ou publicações encontradas no currículo Lattes. O link para o formulário foi enviado
para mais de 350 coordenadores de cursos de Geografia. O formulário continha dezenove perguntas,
algumas com respostas fechadas outras com respostas abertas e buscava entender se o curso de Geografia
coordenado pelo respondente ofertava ou não alguma disciplina na temática de Geografia e Saúde e, em
casos positivos, quais as características da oferta e da disciplina em si. A partir dos dados obtidos, foi
produzido, tabelas, gráficos e mapas. Todos os mapas foram confeccionados pelo software QGIS em sua
versão 3.8 Zanzibar e os gráficos por planilha eletrônica do Excel.
Após essa etapa, foi realizada uma revisão bibliográfica de textos na área de Geografia da Saúde para
auxiliar na análise dos resultados obtidos nas etapas anteriores. Alguns textos destacavam que a temática
de geografia e saúde ainda era pouco conhecida fora da geografia. Optou-se então por fazer entrevistas
com professores de ensino superior da área da saúde com o intuito de saber o que conheciam sobre
Geografia da Saúde. Para tal, foram elaboradas cinco perguntas abertas. Essas perguntas foram enviadas
para os professores das disciplinas de epidemiologia da Universidade de Brasília (UnB). Foi escolhida
essa disciplina e essa universidade por ser a que tem mais conexão com o com grupo de pesquisa que
desenvolveu o estudo.
Resultados
O primeiro levantamento resultou em um total de 354 cursos de Geografia ofertados em universidades
públicas brasileiras em junho de 2020, distribuídos espacialmente pelas unidades federativas brasileiras
da seguinte forma (figura 1):
Espirito Santo, Rondônia e Tocantins foram os estados que apresentaram o menor número de cursos,
com apenas três cursos cada. O Pará foi o estado com maior mero de cursos ofertados, com 32, seguido
de perto pela Bahia, que teve 30 cursos ofertados.
O questionário elaborado foi enviado para mais de 350 coordenadores e foram obtidas 95 respostas
(27%). Os coordenadores que responderam estão distribuídos por praticamente todas as unidades
federativas do Brasil, sendo o Acre o único estado do qual não foi obtida nenhuma resposta
ao questionário on-line. Os resultados detalhados desse levantamento também foram divulgados
publicamente e podem ser acessados no site do Laboratório de Geografia, Ambiente e Saúde (LAGAS)
da Universidade de Brasília (UnB), ou diretamente pela seguinte URL: lagas.unb.br/index.php/disciplina-
geografia-da-saude-no-brasil.
Dentre as 95 respostas, 37 (38.9%) afirmaram que o curso oferta pelo menos uma disciplina na
temática de Geografia da Saúde (figura 2). Apenas um coordenador de curso informou ofertar mais de
uma disciplina na temática de Geografia e Saúde. Este curso foi da Unifesp, que é no formato ABI
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Estrabão (3) 2022
Figure 1. Distribuição dos cursos de Geografia no Brasil
(Área Básica de Ingresso, são cursos que não possuem diferenciação de bacharelado ou licenciatura no
ingresso).
Assim, entre os 95 cursos que responderam ao questionário, tem-se a oferta de 38 disciplinas na
temática de Geografia da Saúde. O mapa a seguir (figura 2) mostra a distribuição estadual dos cursos que
ofertam pelo menos uma disciplina na temática de Geografia da Saúde, de acordo com o levantamento
realizado. Destaca-se o estado do Rio Grande do Norte que tem a oferta em 4 cursos de geografia.
As perguntas seguintes do questionário foram direcionadas a compreender as características da oferta
das disciplinas de Geografia da Saúde. Primeiramente, quanto ao próprio nome das disciplinas. Em
síntese, foi interessante notar que: 26 disciplinas se chamam, justamente, “Geografia da Saúde”; 4
possuem a palavra “ambiente” no nome; 2 ainda utilizam o termo “Geografia Médica”; um outro nome
que chamou muita atenção foi “Geografia da Saúde e Geologia Médica”.
Quanto ao tipo de disciplina (figura 3), ou seja, a obrigatoriedade ou não de cursar a disciplina
para completar o curso, identificou-se que a grande maioria das disciplinas era de caráter optativo, 29
disciplinas (76.3%), 8 eram de caráter obrigatório (21%) e ainda foi registrada uma disciplina que havia
Porto, Gurgel and Catão
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Figure 2. Distribuição dos cursos que ofertam pelo menos uma disciplina na temática de Geografia da
Saúde
sido criada em caráter experimental para atender às demandas de discussão a respeito da pandemia de
COVID-19.
Em relação à carga horária das disciplinas (figura 4), observou-se que 23 disciplinas possuem uma
carga horária de 60h (60%); 9 disciplinas possuem carga horária acima de 60h (23.6%), sendo que a
maior carga registrada foi de 75h, em dois casos; 2 disciplinas apresentam carga entre 30h e 60h (5.2%);
4 disciplinas possuem carga de 30h (11.2%).
Com respeito à frequência de oferta (figura 5), observou-se que é comum que a oferta se dê de
forma
anual ou a cada dois anos; apenas duas disciplinas são ofertadas de forma semestral. Outras duas
disciplinas são ofertadas esporadicamente, e 4 disciplinas possuem oferta irregular, baseada na demanda.
Por fim, outras informações para caracterização das disciplinas são as seguintes: 34 disciplinas
são
ofertadas de forma presencial, apenas 3 são ofertadas na modalidade à distância; quase metade
das
disciplinas obrigatórias possuem carga horária abaixo de 34h; Apenas duas disciplinas, dentre as
obrigatórias, possuem oferta semestral, outras duas possuem oferta baseada na demanda. É importante
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Figure 3. Tipo de disciplina
Figure 4. Carga horária das disciplinas
Porto, Gurgel and Catão
22
Figure 5. Frequência de oferta
lembrar que esses dados foram coletados no começo da pandemia de COVID-19, quando ainda se
esperava uma resolução rápida dessa emergência de saúde pública e as respostas que fazem menção à
oferta presencial ou à distância das disciplinas foram dadas considerando a situação pré-pandemia. Como,
devido a pandemia, muitas disciplinas passaram a ser ofertadas no modelo remoto seria interessante
o desenvolvimento de um novo estudo para avaliar possíveis mudanças que ocorreram nessas disciplinas
de Geografia da Saúde durante a pandemia, para avaliar talvez uma mudança na demanda e/ou possíveis
alterações nos modelos de oferta.
Avaliando os dados mais relevantes sobre a oferta de disciplinas na temática de Geografia e Saúde,
observa-se que o modelo mais comum de oferta das disciplinas é no caráter optativo, com carga horária
de 60 horas semestrais e com oferta uma vez ao ano. Dessa forma, devido ao formato de oferta das
disciplinas, elas podem ser pouco difundidas e os estudantes tenham pouco oportunidade de cursá-las.
Em relação ao levantamento do conhecimento da temática de geografia e saúde pôr professores da área
da saúde, dentre os 10 e-mails enviados para professores de disciplinas de epidemiologia da Universidade
de Brasília, obteve-se apenas duas respostas. Um professor informou que leciona as disciplinas de
“Epidemiologia Aplicada à Educação Física” na graduação e “Epidemiologia e Atividade Física na
Promoção de Saúde” na Pós-Graduação, o outro mestra as disciplinas “informação e informática em
saúde 2” e “epidemiologia analítica”. Os relatos apresentados por esses professores confirmam que as
ferramentas da Geografia da Saúde são bastante utilizadas, dentro da área da saúde, porém não de forma
institucionalizada, ou “consciente”. Um professor relatou que:
Em ambas [as disciplinas] eu utilizo mapas com distribuição (normalmente de
prevalências) de doenças ou de características sociodemográficas, de condições clínicas
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ou de fatores de risco para doenças com alta prevalência. Em particular, são muito
comuns mapas que apresentam distribuição do nível de atividade física na população e
também mapas de equalização de densidade (density-equalizing maps), que começam
a ser muito comuns na apresentação de dados do nível de atividade física da população
mundial em associação com outra variável, como a renda ou a quantidade de programas
de intervenção existentes em cada país
Outro respondente faz conexão entre fatores geográficos e a prática de atividade física (saúde preventiva):
Ao apresentar o conteúdo da disciplina eu usualmente me reporto às três questões
básicas da epidemiologia: quem, quando e onde. Nesta abordagem, eu apresento
desfechos que têm conhecidos determinantes ligados a fatores geográficos e
ambientais. Essas duas questões são bem identificadas no nível de atividade física
da população, que sobre influência de questões territoriais e climáticas, como áreas
e períodos do ano que favorecem mais ou menos à prática de atividades físicas. Essas
relações são bem exploradas nas disciplinas
Ambos os respondentes comentaram que um pico de análise em suas aulas é a relação entre fatores
ambientais e agravos de saúde, em um caso esses agravos foram doenças e no outro a limitação da prática
de atividade física.
Os professores ressaltam a importância do estudo da Geografia para a Saúde, um inclusive comenta já
ter trabalhado na produção de mapas de distribuição espacial de indicadores de demanda e gravidade de
doenças e até oferece suplementos na nota para alunos que façam um curso sobre QGIS específico.
As duas respostas ressaltaram os benefícios que uma disciplina na temática de geografia da saúde pode
trazer para seus alunos, um deles comenta:
tendo em vista que muitas questões em saúde são afetadas por questões geográficas,
tanto nos temas mais afeitos à geografia física, quanto àqueles ligados à geografia
humana. Seria interessante que [uma disciplina sobre Geografia da Saúde] fosse
optativa para todos os cursos da saúde da UnB
Para finalizar, gostaríamos de ressaltar o seguinte comentário feito por um dos respondentes:
Até pouco tempo eu não tinha conhecimento da existência desta disciplina [Geografia,
Ambiente e Saúde, ofertada pelo departamento de geografia da UnB] na UnB, assim
como não havia focado minha atenção nas possibilidades de interação entre a geografia
da saúde e minha área de atuação, a despeito de saber do impacto de inúmeras questões
ligadas à geografia, tanto física quanto humana, na saúde humana. Seria interessante
uma maior divulgação da área e da disciplina
Discussão
Importância da geografia da saúde no Brasil
Apesar da Geografia Médica já existir, provavelmente, desde 1792 (Barcellos, Buzai, &
Handschumacher, 2018), ela só começa a aparecer no Brasil em meados do século XX, com as
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contribuições do médico Josué de Castro que fez doutorado em geografia humana. Seus estudos sobre
a subnutrição e fome demonstraram que um caráter geográfico e geopolítico na manifestação
de doenças, e foram uma espécie de primeiro passo para o desenvolvimento da geografia da saúde
no Brasil (Mendonça, Araújo, & Fogaça, 2014). Esses mesmos autores ainda apontam lentidão na
disseminação de visões mais amplas para saúde, dentro dos sistemas de saúde brasileiros, mas podemos
observar o aumento das intenções de pesquisa em geografia da saúde no Brasil por meio do levantamento
feito pelo laboratório LAGAS-UnB, que mostrou a criação de pelo menos 21 novos grupos de pesquisa
em Geografia da Saúde desde a publicação desse artigo em 2014. Portanto a Geografia da Saúde no Brasil
está em estágio de franco desenvolvimento e pode-se dizer que é uma temática estabelecida no âmbito da
geografia e em fase de reconhecimento pelas demais áreas do conhecimento (GURGEL e BELLE, 2020),
pelo menos dentro do meio acadêmico. Como destaca a figura 6, que foi produzida com base no artigo
de BARCELLOS, et al. 2018 e que aponta algumas das importantes contribuições teóricas da geografia
da saúde ao longo dos anos.
Por volta de 1970, observou-se a mudança de nome, de geografia médica para geografia da saúde,
isso se deu por conta da evolução das pesquisas, que mudaram o foco da análise geográfica, passaram
a entender saúde de forma mais holística, e deixaram de analisar apenas a doença (Mendonça et al.,
2014). No Brasil, esse movimento foi também muito forte, nas décadas de 1970 e 1980, a corrente crítica
brasileira deu um certo impulso no desenvolvimento da geografia da saúde nacional principalmente com
análises de questões de saúde decorrentes da atividade capitalista (Mendonça et al., 2014).
Além disso, a criação do SUS e a preocupação com a saúde coletiva tiveram e seguem tendo
importante papel no desenvolvimento e importância da Geografia da Saúde no Brasil. São múltiplos os
estudos de avaliação de efetividade de atendimento ou estudos de vigilância epidemiológica no território
brasileiro, dentre diversos outros subtemas da Geografia da Saúde, disponíveis hoje, muitos, inclusive,
com contribuições de autores estrangeiros.
Atualmente, percebe-se que existe uma tentativa de expansão de pesquisas na área de Geografia da
Saúde, tanto por parte das universidades como por partes de institutos de pesquisa como a Fundação
Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e o Instituto de Pesquisa Espaciais (INPE) que, de acordo com levantamento
do Laboratório de Geografia, Ambiente e Saúde (LAGAS-UnB), possuem diversos grupos de pesquisa
dedicados à Geografia e Saúde e sita no seu site temas de pesquisa como “políticas públicas para saúde
em territórios” e “ambiente, ecologia e saúde”.
Consulta realizada utilizando os termos “geografia” e “saúde” na base de dados Scielo resultou em
583 artigos, sendo 373 publicados desde 2010, além disso, a base informa que 349 foram publicados
no Brasil. A mesma consulta com os termos em inglês (“geography” e “health”) em uma das maiores
bases bibliográficas da área da saúde (pubmed/medline, na National Library of Medicine dos Estados
Unidos) resultou em 24.337 artigos, sendo o primeiro registro no ano de 1857. Entretanto, praticamente
90% deles foram publicados a partir de 2000. Sendo que quase 80% a partir do ano de 2010, o que mostra
o crescimento no número de publicações na área nos anos mais recentes. Porém, é compreensível que a
importância da Geografia da Saúde tenha tendência de ser notada principalmente pelas pessoas que atuam
nesse campo de pesquisa. Geógrafos fora desse nicho e pessoas da área da Saúde tendem a não perceber
a importância da Geografia da Saúde, ainda que muitas vezes utilizem conhecimentos dessa ciência de
forma inconsciente.
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Figure 6. Linha do tempo de contribuições para geografia da saúde
Porto, Gurgel and Catão 26
Ensino de geografia da saúde no Brasil
Primeiramente, é importante ressaltar que essa análise foi feita com base em dados da amostra de
respondentes e não do total da população pretendida. Como foi citado, nem todos os cursos de Geografia
ofertados no Brasil responderam à pesquisa. No total, um quarto dos cursos disponíveis, segundo
o MEC, responderam ao questionário. Os dados obtidos, apesar de não caracterizarem uma amostra
aleatória, não possuem nenhum fator que afete a validade dos mesmos visto que todos foram igualmente
convidados a participar e todas respostas foram incluídas. que se admitir a possibilidade de um viés de
participação, visto que os coordenadores de curso que possuem alguma disciplina de Geografia da Saúde
poderiam ser mais propensos a responder o questionário do que os coordenadores de cursos que não tem
ligação com essas disciplinas. Entretanto, esta possibilidade provavelmente não afetou demasiadamente
a participação, uma vez que menos de 30% dos respondentes afirmaram que o curso oferta alguma
disciplina do tipo. É também interessante lembrar que não houve respostas oriundas de todas as unidades
da federação. Am do Acre não ter retornado nenhuma resposta, houve estados que apresentaram apenas
um respondente. Dessa forma, sugere-se que as próximas análises sejam feitas a partir de uma escala mais
abrangente, considerando o Brasil como unidade de análise.
Como citado anteriormente, dentre as respostas recebidas, 37 de um total de 95 coordenadores
responderam que o curso possui pelo menos uma disciplina na temática de Geografia da Saúde. Assim,
de modo aproximado e extrapolando nossos dados para todo o território nacional, é plausível estimar que
deva existir cerca de 40% dos cursos de geografia no cenário nacional que contemplem esta temática em
disciplinas. Considerando essa hipótese, deve haver no Brasil algo entre 140 e 150 cursos de Geografia
com disciplinas na temática de Geografia da Saúde.
Assim, mesmo com a importância que a Geografia da Saúde tem hoje no âmbito das decisões públicas,
e dentro da academia, ainda uma considerável lacuna no ensino dessa subárea da Ciência Geográfica.
Um ponto relevante que não foi considerado para esse estudo, mas pode ser desenvolvido em um
estudo futuro é o da formação dos professores que lecionam as disciplinas com temáticas de Geografia e
Saúde. Como os respondentes do questionário de avaliação foram os coordenadores ou coordenadoras de
cursos de geografia, sabemos que as disciplinas em questão são todas ofertadas pelos departamentos de
geografia (é provável que algumas universidades utilizem um nome diferente par a unidade acadêmica)
das universidades, portanto, é provável que a maioria dos professores tenha formação na área de
geografia, provavelmente um curso de graduação em geografia e a formação em pós-graduação
com direcionamento para a geografia da saúde. Todavia, nada impede que as universidades contratem
professores ou professoras que tiveram uma formação inicial em outras áreas para lecionar as disciplinas
em geografia da saúde, isso pode apresentar inclusive algumas vantagens. Por exemplo, considerando
uma universidade que ainda não possui uma disciplina nessa temática, mas está desenvolvendo processo
seletivo para contratar um profissional para montar e lecionar uma nova disciplina nessa área. Essa
universidade pode se beneficiar contratando alguém que é formado em saúde coletiva, por exemplo,
com pós-graduação em geografia da saúde.
Em um cenário ideal, onde várias universidades ofertem disciplinas na temática de geografia
da saúde, possivelmente várias delas de forma obrigatória, pode ser também interessante a oferta de
disciplinas optativas sobre temas específicos da geografia da saúde, por exemplo uma disciplina de
epidemiologia aplicada a geografia da saúde. Disciplinas com temática mais específicas, podem ser
muito importantes para o maior desenvolvimento da rede de ensino de geografia da saúde e podem
ser ofertadas tanto por professores com formação em outras áreas contratados pelos departamentos de
Estrabão (3) 2022
geografia, como podem ser ofertadas diretamente por outros departamentos, e possuírem caráter optativo
e vagas dedicadas para estudantes de geografia. Tudo isso dito, é importante lembrar que no cenário atual,
de pouca oferta de disciplinas na temática de geografia da saúde, o mais importante é a disseminação e a
criação de disciplinas de caráter um pouco mais geral e introdutório.
Também é notório que, dentro do contexto do ensino superior em nível de graduação, a Geografia
da Saúde tende a ter mais importância para o Bacharelado do que para a Licenciatura, já que é mais
comum os formandos licenciados trabalharem ao nível de ensino básico e médio, onde a Geografia da
Saúde talvez seja considerada menos relevante, apor não ser contemplada na Base Nacional Comum
Curricular, ainda que existem vários benefícios ao ensino de Geografia da Saúde no ensino médio, como
mostram PASTORIZA e SILVA (2014) no texto “O Ensino Interdisciplinar do Tema Dengue: Uma
Proposta para a Geografia” e SOARES e BEZERRA (2019) em “Saúde urbana no ensino de geografia:
um relato de experiência no município de Olinda, Brasil”. Ainda assim, um bom número de cursos que
ofertem disciplinas nessa temática seria algo em torno de 250.
Os resultados desse estudo mostram que a Geografia da Saúde ainda é pouco disseminada em relação
a oferta de disciplinas para a graduação. Assim, um grande campo para a expansão dessa temática, em
especial através da rede de ensino. Apesar dos conhecimentos desse campo serem utilizados, poucos
ainda o relacionam com a geografia e a potencialidade que se teria em fazer parceria com essa ciência.
Nesse contexto, para que a Geografia da Saúde seja mais disseminada, recomenda-se o fortalecimento
dos grupos de pesquisa, assim como uma maior publicização dos congressos e conferências e que a
disciplina seja institucionalizada nos cursos de geografia. Importante ressaltar também que a divulgação
da geografia da saúde deve ser feita com foco não somente para estudantes de cursos de geografia, mas
também para todas as áreas adjacentes e que podem se beneficiar desse tipo de abordagem em saúde com
foco na visão espacial, e, pelo caráter interdisciplinar da própria ciência geográfica.
Ressalta-se que os temas da Geografia da Saúde tendem a ser abordados e discutidos em outras
disciplinas dos cursos, tanto de Geografia como da área da Saúde. Deste modo, o ensino de Geografia
da Saúde já pode estar um pouco melhor institucionalizado do que esses números sugerem. Ou seja,
é bastante provável que os alunos de Geografia, por exemplo, estudem técnicas, trabalhos ou temas
relacionados à Geografia da Saúde dentro de outras disciplinas, tais como, disciplinas sobre cartografia,
geoprocessamento, climatologia, planejamento urbano, geografia agrária, dentre várias outras.
Um último comentário, apesar do levantamento realizado sobre disciplinas de Geografia da Saúde
não ter obtido dados do estado do Acre, vale mencionar que um estudo de 2014 teve justamente como
objetivo a avaliação do ensino de Geografia da Saúde no Acre. A conclusão foi de que não havia nenhuma
disciplina nessa temática nos cursos de bacharelado e licenciatura em Geografia na Universidade Federal
do Acre (UFAC), além disso, pouquíssimos alunos entrevistados já tinham ouvido falar sobre Geografia
da Saúde. O estudo fez a divulgação da temática e promoveu um minicurso (Farias, 2014). Isso é bastante
significativo esses dois cursos analisados no estudo representam 66% dos cursos de geografia do estado.
Considerações finais
Os levantamentos realizados, bem como as entrevistas feitas, sugerem que a Geografia da Saúde, área de
pesquisa dentro da Ciência Geográfica já está francamente estabelecida no Brasil e tem sua importância
evidenciada no âmbito acadêmico e da saúde pública e coletiva. Entretanto, carece de disciplinas
específicas nos cursos de geografia das universidades blicas brasileiras. Dessa forma, recomenda-se
Porto, Gurgel and Catão
uma maior divulgação da temática junto aos formadores dos futuros geógrafos e professores de geografia
brasileiros, a fim de institucionalizar a Geografia da Saúde, através da oferta de disciplinas, de modo a
consolida-la como área de pensamento e pesquisa específica da Geografia no Brasil.
Agradecimentos
O presente trabalho foi realizado no âmbito do Laboratório de Geografia, Ambiente e Saúde (LAGAS)
da UnB e contou com apoio do CNPq través do financiamento de bolsa PIBIC e do Laboratório Misto
Internacional | LMI-Sentinela uma parceria entre o IRD-UnB-Fiocruz (www.lmi-sentinela.unb.br).
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