Desenvolvimento Sustentável
Rural na Baía da Babitonga:
Projeto Multidisciplinar do
Programa de Pós-Graduação
em Tecnologia e Ambiente
(PPGTA)
Estrabão
20021(2):23 - 31
©The Author(s) 2021
DOI: 10.53455/re.v2i.1
Sandro Augusto Rhoden, Eduardo Ribeiro
1
, Patrícia Neuenlfedt, Cleder
Somensi, Daniel Faria and Leandro Alves
Resumo
Neste presente artigo apresentamos os contextos e as concepções teóricas que fundamentaram
o projeto de pesquisa multidisciplinar do Mestrado Profissional em Tecnologia e Ambiente (PPGTA)
aplicada em uma propriedade rural na baía da Babitonga. A propsosta metodológica deste
trabalho é a convergência multidisciplinar de conhecimentos distintos, possibilitando a reflexão de
diferentes perspectivas para a solução dos problemas intrínsecos da relação sociedade-natureza
em determinado território. Dessa maneira, esta práxis científica passa a ser identificada como
atitude e como método na produção de conhecimento desta área de avaliação. A proposta desta
convergência multidisciplinar de conhecimentos no Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e
Ambiente (PPGTA) está contemplada na área de concentração do curso que é o Desenvolvimento
de Processos e Tecnologias Ambientais.
Palavras-chave
Desenvolvimento Sustentável, Ciências Ambientais, Multidisciplinar
1
Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Ambiente, Instituto Federal Catarinense, Araquari, Santa Catarina, Brasil
Corresponding author:
Sandro Augusto Rhoden,
Email: sandro.rhoden@ifc.edu.br
2 Estrabão 2021(2)
Introdução
Neste presente artigo apresentamos os contextos e as concepções teóricas que fundamentaram o projeto
de pesquisa multidisciplinar do Mestrado Profissional em Tecnologia e Ambiente (PPGTA) aplicada em
uma propriedade rural na baía da Babitonga.
Na área Ciências Ambientais (Área 49) da CAPES, os dois últimos documentos (2016) e (2019),
pode-se evidenciar o seu propósito científico dentro do Sistema Nacional de Pós- Graduação (SNPG).
Em ambos documentos, sinaliza-se que o objeto das Ciências Ambientais é o emprego e a convergência
multidisciplinar de conhecimentos distintos, possibilitando a reflexão de diferentes perspectivas para
a solução dos problemas intrínsecos da relação sociedade-natureza em determinado território. Dessa
maneira, esta práxis científica passa a ser identificada como atitude e como método na produção de
conhecimento desta área de avaliação.
A proposta desta convergência multidisciplinar de conhecimentos no Programa de Pós- Graduação
em Tecnologia e Ambiente (PPGTA) está contemplada na área de concentração do curso que é
o Desenvolvimento de Processos e Tecnologias Ambientais. Esta área de concentração tem a preocupação
com a construção, otimização e utilização de métodos e técnicas que sejam aplicados a realidade local
e regional. Para atender isto, o curso é articulado em duas linhas de pesquisa, a saber: Desenvolvimento
Rural Sustentável e Desenvolvimento de Processos e Tecnologias Ambientais. Sendo que a primeira a
linha objetiva a conservação, recuperação e promoção da sustentabilidade ambiental rural e a segunda, a
redução/reciclagem de rejeitos e ao monitoramento/uso ordenado dos recursos naturais, diagnosticando
possíveis impactos negativos e elaborando propostas processuais ou tecnológicas de recuperação de áreas
já degradadas, principalmente no contexto da Baía da Babitonga e o do setor industrial/agroindustrial
regional.
O escopo e as características de natureza das linhas de pesquisa do PPGTA formam um universo
amplo de temas composto por expressões básicas que podem ser agrupadas segundo suas identidades. Ao
refletirmos enquanto projetos de pesquisa em desenvolvimento do programa, contempla-se a existência
de balanceamento de temas entre as linhas de pesquisa. No entanto, isto não que caracteriza a
multidisciplinaridade em ciências ambientais preconizada pelos documentos da CAPES (2019, 2016),
Fernandes e Sampaio (2016), Sobral et al (2014) e Philippi Jr. et al. (2013).
Entende-se que para atingir esta proposta, é necessário o fomento de uma pesquisa integradora que
foque estes aspectos ambientais relevantes e estratégicos. Neste sentido, elegemos a baía da Babitonga
como ponto de convergência multidisciplinar de conhecimentos distintos.
Diante disto temos o seguinte problema de pesquisa: Em que medida poderemos evoluir teórico-
metodologicamente como programa, deixando de priorizar as análises individuais e buscar reforçar as
soluções técnico-cientificas que represente a atitude e método multidisciplinar para o caso da baía da
Babitonga, assim, contribuindo para o avanço da Ciências Ambientais?
Para superarmos este problema, o projeto de pesquisa propõe aos pesquisadores refletir os contextos e
as escalas que a área já vem se colocando a discutir, tais como: mudanças climáticas, impactos de novas
fronteiras de desenvolvimento agrícola, impactos do desenvolvimento de energias alternativas, economia
circular, avaliação ambiental, a criação de inovações tecnológicas para o mapeamento ambiental entre
outros. Assim, é pertinente identificar as territorialidades destes temas na escala da Baía da Babitonga.
Tendo em vista que a problemática ambiental é eminentemente social, parte-se do pressuposto de que os
sistemas ecológicos estão interconectados com sociais, conforme Fernandes e Sampaio (2016), Sobral et
al (2014).
Rhoden et al.
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Assim, emerge de forma bastante nítida, que este novo saber convergente, deve se voltar para
uma sociedade mais justa e solidária e direcionados à obtenção de elementos de sustentabilidade que
conduzam efetivamente à melhoria das condições ambientais e de vida das comunidades, com base nas
diferentes complexidades que a Bahia da Babitonga tem, em seus variadas e distintas demandas, sendo
elas: concentração populacional, resíduos sólidos e líquidos na água, corredor exportador (portos), área
de interface de vegetação (bioma de mata atlântica, restingas e mangues), produção agrícola, aquícola e
terras indígenas.
Diante destes, contemplaremos os seguintes subtemas: resíduos sólidos, recursos genéticos, vegetação
e produção agrícola. Estes temas articularam as linhas de pesquisa do PPGTA, de modo que as inovações
necessárias se fundamentam na produção e no manejo de conhecimentos em vista da qualidade de vida.
Incorporaremos estes também aos produtos educacionais que serão desenvolvidos, pois se trata de um
mestrado profissional.
Que justifica o desenvolvimento do projeto?
O PPGTA aprovado no APCN-2018, se propôs a fomentar pesquisas e a formação de recursos humanos
com estas diretrizes. Ainda sobre o APCN, houve a indicação de um tema integrador de pesquisa. Julgou-
se que este permitiria além de contemplar os objetivos postos pela área (2016), possibilitaria avançar em
um programa de pós graduação coeso e integrado ao estudar um ecossistema: a baía da Babitonga em
SC.
Com o início das atividades em 2019, o programa buscou articular a partir das pesquisas dos discentes,
pôr em prática o recorte territorial. Por ser um mestrado profissional, as demandas se mostram ainda
amplas. Este quadro se mostrou presente com a segunda turma de 2020. Em ambas turmas, se reconhece
que os temas das pesquisas atendem as linhas de pesquisa do programa. A multidisciplinaridade se mostra
presente, todavia, indicada apenas pela gestão dos projetos. O colegiado do PPGTA adotou o comitê
de orientadores, cuja presença além do orientador, tem a dos colaboradores que podem ser membros
do programa e externos. Ressalta-se que não é a figura do coorientador (este segue os protocolos do
regimento). É como se a banca de qualificação e defesa, participassem desde o início do processo e
não apenas nas etapas finais. Reconhece-se que a multidisciplinaridade não é somente isto. Esta opção
estratégica e científica do comitê se mostrou oportuna, mas o fomento a uma abordagem coletiva e
com o recorte territorial como a baía da Babitonga, em certa medida, avançará na concepção teórica
multidisciplinar proposta por Philippi Jr. et al. (2013). Fernandes e Sampaio (2016) e Sobral et al (2014).
Neste contexto, propõe-se induzir os pesquisadores e seus grupos de pesquisa vinculados os docentes
do PPGTA a transposição dos limites disciplinares e amplifique os esforços teóricos e metodológicos
construídos com o comitê. Assim, o projeto estabelecerá a complementaridade na compreensão de
fenômenos complexos relacionados a construção da sustentabilidade da baía da Babitonga, objetivo
alinhado e discutido pelos autores supracitados e nos documentos oficiais da CAPES.
Entendemos que a presente pesquisa oportunizará resultados não apenas científicos, mas também
processuais, pois propomos a colaboração dos diversos conhecimentos dos docentes do programa, assim,
construindo um novo saber que buscará construir soluções aplicáveis e integradas para os problemas
oriundos da relação sociedade e natureza.
Segundo a própria área (2019), estes problemas que ultrapassam competências acadêmicas especificas,
exigem abordagens coletivas e integradas, assim o conhecimento não resultará em publicações, mas
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também em produtos técnicos e tecnológicos, conectados às demandas territoriais e sociais da baía da
Babitonga.
Revisão teórica
Para fins estritamente práticos, a baía Babitonga (177,3 km
2
) é uma área aproximada de estudo que inclui
a porção aquática interna de os limites de ocorrência de vegetação de manguezal (81,8 km
2
) à montante;
e na porção costeira adjacente, uma área de 856,2 km
2
que se estende do canal de acesso até a isóbata
de 20 m ao leste, numa faixa compreendida entre a foz do rio Saí-Guaçú, em Itapoá (ao norte) e a foz
do rio Itapocú, em Araquari. Os principais sistemas hidrográficos que compõe o compartimento são os
rios Cubatão e Cachoeira, que desaguam na Baía da Babitonga, e o rio Negro, além de pequenas bacias
litorâneas.
A Baía da Babitonga se destaca pela grande diversidade ambiental e cultural, pela importância dos
recursos pesqueiros e pela importante função de retenção de nutrientes. É a terceira maior formação de
águas marinhas interiores em Santa Catarina e também o local de maior concentração de manguezais no
Estado (Santa Catarina 1997). Ressalta-se é ainda por estar dentro do bioma da Floresta Atlântica, que
este por sua vez, é um dos biomas que tem sofrido grande impacto, mas, mesmo assim, continua sendo
responsável por garantir serviços ambientais essenciais à vida humana e à qualidade de vida das pessoas
que nele vivem.
Desde a publicação da lei federal nº10.267, de 28 de agosto de 2001, onde ficou instituído o CNIR
- Cadastro Nacional de Imóveis Rurais, é obrigatório o georreferenciamento de imóveis rurais. Isto
é, as coordenadas que definem os limites dos imóveis e as posições das reservas legais devem estar
referenciadas no Sistema Geodésico Brasileiro. No entanto, o perfil da propriedade rural na baía da
Babitonga é de pequena e média propriedade.
Para pensarmos a questão da conservação do ecossistema da baía da Babitonga, em atendimento à
legislação ambiental, diversas providências podem ser tomadas, entre elas pode- se dizer a exigência de
reservas legais nas propriedades rurais, bem como a não-utilização das áreas de preservação permanente.
Nesse contexto, deve-se conservar os fragmentos florestais que ainda restam na propriedade, para
consolidar a conservação e o uso econômico de seus bens e serviços. Para isso, faz-se necessário prover
estudos que busquem conhecer esse ambiente em detalhes, por meio das tecnologias e técnicas existentes
(Gandolfi et al. 1995).
São inúmeros os benefícios de um mapeamento com o rigor estabelecido pela lei 10267/2001. Além
de instituir as APPs, a legislação também estabeleceu as restrições de uso para as florestas de domínio
privado que não se encaixam nas condições de APPs, as chamadas Reservas Legais (RL). As RLs
são áreas de cobertura arbóreas, localizadas dentro do imóvel, onde não é permitido o corte raso. A
área destinada à RL deverá ser averbada no Registro de Imóveis para conhecimento de terceiros. A
averbação da RL é importante para o planejamento de uso da terra e de manejo de ecossistemas em
nível local. O poder público pode orientar os proprietários rurais na formação de corredores ecológicos
entre Unidades de Conservação ou no estabelecimento de zonas-tampão (zonas de amortecimento) nos
arredores das Unidades, garantindo, assim, a conservação de maiores extensões de terra cobertas com a
vegetação nativa (Bittencourt; Mendonça, 2004).
Além de atender à legislação ambiental em relação a lei, a propriedade rural deve obedecer ao direito
de propriedade. Para que isso aconteça, o proprietário deve utilizar sua propriedade de forma a cumprir
Rhoden et al.
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com o que é chamado na legislação de função social, ou seja, utilizar a propriedade da forma correta,
preservando o meio ambiente e garantindo o bem estar de proprietários e trabalhadores.
Para ser considerada produtiva a propriedade rural deve obedecer a parâmetros dispostos na Instrução
Normativa INCRA n
11/2003, que regula o art. 6 da Lei n
8.629/93, e estabelece as diretrizes para
fixação do Módulo Fiscal de cada município, além de instituir o Grau de Utilização da Terra (GUT) e
o Grau de Eficiência de Exploração (GEE), que são os índices utilizados para avaliar a produtividade do
imóvel rural.
Entendemos que a legislação ambiental brasileira é uma das mais bem elaboradas, porém apresenta
alguns pontos que não condizem com a realidade, exigindo principalmente do pequeno produtor na
região da baía da Babitonga, comportamentos e atitudes que elas não são capazes de cumprir. Sabe-
se que existe um grande desrespeito à legislação, fruto da dificuldade de implementação dessas leis e da
falta de fiscalização em todo o país. Assim, é de suma importância conhecer os obstáculos e soluções
para a efetivação da legislação.
Neste sentido o projeto se propõe a mapear uma propriedade rural, com o seguinte perfil: minifúndio,
com atividades diversificadas (agricultura, pecuária) e que ainda não tem conhecimento do seu patrimônio
ambiental a ser protegido e que esteja disposto a implantar um sistema de compostagem e experimentação
de sementes crioulas (milho).
Para o mapeamento, além das obrigações legais, oportuniza-se também um mapeamento em 3D
da propriedade. Segundo Silva (2013) o sensoriamento remoto através da tecnologia LiDAR (Light
Detection and Ranging) tem se mostrado uma das alternativas eficientes atualmente para o inventário
da biomassa florestal. Para Leitold (2014) que utilizou os dados LiDAR para estudar as estruturas de um
floresta de Mata Atlântica no Brasil, configura que as florestas tropicais com dossel denso apresentam
vários desafios para o sensoriamento remoto por LiDAR, especialmente para a baía Babitonga, com uma
topografia diversificada, onde grande parte das remanescentes da Mata Atlântica em Santa Catarina.
No entanto, como em grande parte do território Catarinense, existe também, inúmeras atividades
agropecuárias relacionadas à produção vegetal e animal. Estas atividades fazem com que o estado
de Santa Catarina (SC), se destaque como o segundo maior produtor nacional de aves e também
o responsável por cerca de 5% da produção de ovos no país (EMBRAPA, 2019). Junto aos benefícios
da intensa produção de proteína animal na avicultura, há a geração de resíduos diversos, principalmente
dejetos e, em situações de específicas (naturais ou catastróficas), carcaças de animais mortos, trazendo
grande passivo ambiental para produtores de portes distintos, especialmente pequenos e médios.
Neste sentido, sistemas de compostagem são largamente utilizados na região e no estado, em sua
maioria por meio de sistemas estáticos ou com aeração por revolvimento (mecanizada ou manual). São
sistemas a muito tempo conhecidos, mas com limitações no que se refere a liberação de gases fétidos
e nocivos ao ambiente e a saúde, ocasionados por anaerobiose decorrente da necessidade constante
e adequada de manejo/revolvimento para aeração. Estes sistemas convencionais de compostagem
apresentam também outras limitações, como o quantitativo de resíduos a ser tratado e a lentidão
no processo, que é natural e ocorre basicamente via atividade microbiológica aeróbia (necessidade
constante de O2) no substrato. Com base nestas informações e limitações, além do amplo e disponível
conhecimento sobre a necessidade de sistemas com menor necessidade de manejo (i.e., que sejam mais
tecnológicos e controlados), justifica-se o desenvolvimento deste projeto, que visa prototipar 2 (dois)
diferentes sistemas de tratamento (compostagem acelerada) aerados (com maior e constante taxa de
O
2
/m
3
) para resíduos orgânicos, de forma automatizada (onde os níveis de oxigênio e
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temperatura serão monitorados e controlados de forma autônoma) e em sistema fechado por Membrana
Semipermeável - MSP (seletiva aos gases a serem liberados e aos gases de interesse para celeridade da
estabilização da matéria orgânica), mas com custos acessíveis inclusive a pequenos e dios produtores.
No Brasil, praticamente não nenhum empreendimento que utiliza o sistema de MSP para tratamento
e estabilização aeróbia de matéria orgânica, via promoção de trocas (sistema de tratamento / ambiente)
gasosas controladas. Alguns países da União Européia (UE) vêm utilizando este sistema, mas a tecnologia
das MSPs ainda possui custo elevado para implantação, enquanto a operacionalização pode ser simples e
com custo/benefício adequado. A principal razão do custo elevado para implantação está relacionada
a constituição / método de fabricação das MSPs e a automatização nos controles dos parâmetros
fundamentais.
Com relação às MSPs e considerando que a Região Norte de SC é destaque nacional na transformação
de polímeros/plásticos, desenvolver-se-á (em andamento) MSPs com adequado custo/benefício, por meio
da mesclagem entre politetrafluoretileno (PTFE, mais conhecido como Teflon) puro com fibra de vidro
e/ou microargila, além de outros polímeros (polisulfona, policarbonato, acetato de celulose, fluorpolímero
amorfo ou poliimida), conforme resultados de ensaios iniciais. Desta forma, além da redução dos custos
de importação, o atual know-how da indústria plástica Catarinense deverá viabilizar economicamente
a produção e aplicação de MSPs em sistemas de compostagem fechada. A automação do sistema,
com o uso de microcontroladores integrados à um sistema de armazenamento dos dados coletados,
permitirá uma análise detalhada dos dados de oxigênio e temperatura durante o processo, viabilizando
a configuração dos atuadores conforme a variação dos dados coletados e algoritmos definidos durante a
realização da pesquisa.
Vale a pena ressaltar que a agricultura familiar responde por uma parcela significativa da segurança
alimentar da sociedade e desempenha um importante papel no meio rural brasileiro. O que não seria
diferente para a região da baía da Babitonga. Dentro os produtos cultivados, daremos destaque ao milho.
É estimado que existam cerca de 5 a 30 milhões de espécies no planeta, das quais, somente 1,4 milhões
foram catalogadas (WILSON, 1997). Aproximadamente 260 mil espécies de plantas foram descritas até
o momento, mas somente ao redor de 30 são usadas em maior escala para o consumo humano. Entre as
mais usadas, destacam-se o arroz, o milho e o trigo. A importância do milho é decorrente da sua ampla
aptidão de utilizações que esta gramínea apresenta, sendo imprescindível para a alimentação animal.
De acordo com a Síntese Agrícola (2019) era esperado que a redução da produção interna do estado
na safra 2017/18, implicaria a necessidade de aquisição superior a 4 milhões de toneladas em 2018.
Mesmo com algumas alternativas que a Secretaria de Estado da Agricultura e da Pesca, junto com setores
produtivos para minimizar os efeitos do déficit de milho, a proposta de aumentar a produção do milho no
estado pela elevação da produtividade, através de programa de sementes de alta tecnologia, investimentos
no aumento da capacidade de armazenagem; fomento de pesquisas de outros grãos para completar a
alimentação dos animais, como trigo, triticale e cevada, e investimentos em ferrovias, são soluções de
médio a longo prazo.
Além disso, esse cereal também possui grande importância para a alimentação humana in natura,
sendo matéria prima para a obtenção de amidos, farinhas, canjicas, pães, bebidas e mingaus. Esta aptidão
é justificada principalmente devido aos grãos do milho possuir em torno de 62,4% de amido, 8,2% de
proteína bruta, 3,6% de lipídios e 1,2% de material mineral (W. S. Cardoso, Paes, & Galvão, 2010; Paes,
2006; Rostagno, 2011). Em 2018, o milho foi o cereal mais produzido no mundo, com mais de um bilhão
de toneladas produzidas. O Brasil é o terceiro maior produtor mundial, com uma produção em torno de
Rhoden et al.
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102 milhões de toneladas na safra de 2019/2020. (CONAB, 2020; FAO, 2020). A variabilidade genética
existente no milho permite o seu cultivo nos mais diversos ambientes. Esse cereal é cultivado desde a
latitude 58
N até 40
S, desenvolvendo- se desde o nível do mar até 3.800 m de altitude (Hallauer &
Filho, 1988). Além
disso, é a espécie vegetal geneticamente mais estudada e, consequentemente, a herança de inúmeros
caracteres e o seu genoma são bem conhecidos. Fatores como, importância econômica, a estrutura
genética, número de cromossomos, tipo de reprodução, facilidade para realizar polinizações manuais
e a possibilidade de gerar diferentes tipos de progénies, contribuíram muito para tornar este cereal um
modelo para as espécies alógamas ( ; DE ARAÚJO & NASS, 2002) (Paterniani, Nass, & Santos, 2000).
A grande variação genética presente na espécie está diretamente relacionada à alta capacidade de
sua adaptação em ambientes de diferentes altitudes, bem como aos diversos caracteres selecionados
pelo homem. Essa variabilidade genética pode ser visualizada nas inúmeras raças de milho existentes.
Conforme Galinat (1992), pela ampla adaptação geográfica, e pela distribuição do milho pelos
agricultores, a espécie se diferenciou em mais de 300 raças desde a época de Colombo. Conforme Harlan,
Crops, and Madison (1992), raças são tipos diferentes de populações de indivíduos dentro de uma mesma
espécie. Populações crioulas, também conhecidas como raças locais ou landraces, são materiais de grande
importância para o melhoramento genético pelo elevado potencial de adaptação que apresentam para
condições ambientais específicas (Paterniani et al., 2000). Com a ascensão dos híbridos, entretanto, a
maioria dos agricultores, tanto de grandes quanto de pequenas propriedades, deixaram de cultivar as
raças crioulas, que apresentavam um rendimento de grãos inferior ao dos híbridos, situação essa que se
mantém até hoje. Todavia, é inquestionável que o germoplasma do milho representa um grande banco de
variação natural (PATERNIANI; GOODMAN, 1977) e, por essa razão, muitos grupos de pesquisa vêm
trabalhando, já há algumas décadas, na identificação e na manutenção dessas variedades, para posterior
utilização do germoplasma em programas de melhoramento da espécie (NETO et al., 2008).
De modo geral, as populações crioulas são menos produtivas que os cultivares comerciais. Entretanto,
essas populações são importantes por constituírem fonte de variabilidade genética que podem ser
exploradas na busca por genes que conferem melhores qualidade de grãos, tolerância e/ou resistências
aos fatores abióticos e bióticos. Nessa cultura há grande variabilidade genética tanto para caracteres
relacionados à adaptação ambiental, quanto para aqueles que não têm influência na vantagem
adaptativa (Paterniani et al., 2000; Teixeira, 2005). Neste sentido, compreender e caracterizar as
variedades crioulas, cultivadas na região do litoral norte de Santa Catarina, contribuirão com os
agricultores locais, porque esses materiais são importantes fontes de variabilidade genética, contendo
genes e alelos responsáveis pela tolerância ou resistência aos estresses abióticos e bióticos, com
isso, esse estudo irá contribuir para o estabelecimento e consolidação da produção dessa cultura na
região, além disso, possibilitará aos agricultores familiares a produção da sua própria semente. Apesar
dos recentes desenvolvimentos tecnológicos e de gestão, a produção de alimentos ainda envolve a
geração de resíduos orgânicos que, se não corretamente administrados, apresentam elevado potencial
de impacto ambiental (Jongbloed & Lenis, 1998; Kunz et al., 2009; Magri & Teira-Esmatges, 2015;
Borges et al., 2017). As tecnologias de tratamento de resíduos orgânicos vêm sendo desenvolvidas
com base em aspectos técnicos, econômicos e ecológicos, mas os custos de implementação associados
e a complexidade de gerenciamento são os critérios que orientam a adoção e o sucesso dessas novas
tecnologias, principalmente em países em desenvolvimento.
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Outra abordagem da semente crioula é a questão do adaptar o ciclo de germinação. Mais de 30% das
sementes das espécies de plantas germinam imediatamente em condições favoráveis, mas as demais
apresentam algum grau de dormência (KRAMER; KOZLOWSKI, 1972). Sementes dormentes são
aquelas que não germinam mesmo quando colocadas em condições ambientais aparentemente favoráveis,
pois apresentam alguma restrição interna ou sistêmica à germinação. Para que ocorra a germinação é
preciso que esta restrição seja superada (CARDOSO, 2004). A dormência pode ser classificada quanto
a sua origem em primária ou secundária. A primeira instala-se durante a fase de maturação. Assim, a
semente é dispersa dormente da planta mãe. Já a dormência secundária ocorre após a dispersão. Nessa
classe a semente encontra um ambiente desfavorável ou estressante para a germinação, com pouca água,
temperatura discrepante da ideal, pouca luz e oxigênio (CARDOSO, 2004).
Os mecanismos de dormência podem ser endógenos ou exógenos. A dormência endógena, ou
embrionária, é causada por algum bloqueio relacionado ao próprio embrião. Ela pode ser dividida
em fisiológica, morfológica ou morfofisiológica. A dormência exógena ou extraembrionária pode ser
causada por impermeabilidade do tegumento, endocarpo ou pericarpo, ou por efeito mecânico e/ou
pela presença de substâncias inibidoras dos tecidos. A dormência exógena pode ser dividida em: física,
química ou mecânica (BASKIN; ) (Baskin & Baskin, 1998; Carvalho, 1994). Apesar dos avanços na pré-
germinação de sementes, alguns dos tratamentos utilizados no combate à dormência causam lesões na
estrutura das sementes, principalmente aquelas via escarificação, que podem reduzir o vigor da plântula,
aumentar as taxas de infecções causadas por microrganismos, aumentar a taxa de anormalidades nas
plantas e comprometer o desenvolvimento da parte aérea e produção de fitomassa. Já os tratamentos
químicos geram resíduos que implicam em danos ao ecossistema (SELCUK; OKSUZ; BASARAN,
2008). Este problema torna-se mais crítico quando os tratamentos ocorrem em ampla produção. Tendo
em vista as limitações dos métodos convencionais utilizados para superar a dormência, é necessário
desenvolver tecnologias alternativas que permitam à correlação entre eficiência, sustentabilidade e
viabilidade financeira.
Nesse contexto, a tecnologia de plasma frio produzida por descarga elétrica na pressão atmosférica
(DBD) ou a baixa pressão pode ser uma excelente alternativa no combate ao problema de dormência
das sementes. Isso porque é um método rápido, vantajoso, em termos de custo-eficácia, livre de poluição
e pode melhorar o desempenho germinativo das sementes e, consequentemente, a produtividade das
culturas (SELCUK; OKSUZ; BASARAN, 2008). Atualmente tem–se usado plasma para o tratamento de
sementes. O objetivo do tratamento a plasma pode ser para fins de assepsia ou para provocar mudanças
químicas ou físicas na superfície, de modo a aumentar a taxa de germinação e de crescimento alterando
a taxa de absorção de água pela semente (PUAC, GHERARDI, SHIRATANI, 2018). Os efeitos estão
relacionados tanto a mudanças na topografia superficial quanto a modificação química da superfície.
Os pequenos e médios produtores são frequentemente mais conscientes da relevância ecológica
do tratamento de resíduos orgânicos justamente porque o seu trabalho envolve diferentes atividades
agrícolas, facilitando a visão cíclica da produção de alimentos e eliminação de resíduos (Rosset, 1999;
Carvalho et al., 2015). Esta multifuncionalidade associada a uma diversidade de práticas agrícolas pode
favorecer grandemente o processo de valorização ou reciclagem dos resíduos, que está no cerne do
conceito de economia circular.
No entanto, apesar do destaque das atividades agrícolas minifundiárias em Santa Catarina,
principalmente devido a suas cooperativas, o desenvolvimento de tecnologias apropriadas de tratamento
e agregação de valor aos resíduos torna-se necessário para maior sustentabilidade econômica e ambiental.
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A proposta deste projeto de pesquisa é validar este conjunto de ações elencadas, resultado o conhecimento
produzido e acumulado do PPGTA.
Inúmeras pequenas propriedades agropecuárias poderão ser beneficiadas com uma metodologia
assertiva de desenvolvimento rural. A tecnologia de informações cartográficas é um primeiro passo para
dados precisas de seu patrimônio ambiental. A pecuária poderá também ter um tratamento adequado
dos resíduos gerados nas propriedades, a produção agrícola poderá incorporar sementes que contenham
uma variabilidade genética adequada ao ecossistema da Mata Atlântica, enfim, atividades sustentáveis
que possam ser exploradas, principalmente com possibilidade de agregação de valor aos produtos por ela
produzida.
Considerações finais
A partir do recorte territorial da Baía da Babitonga, propõe-se aplicar um conjunto de ações em uma
propriedade rural que propicie prática multidisciplinar na pesquisa do PPGTA. Esta discussão subsidiará
a convergência de conhecimentos, possibilitando a reflexão de diferentes perspectivas para a solução
dos problemas intrínsecos do ecossistema e da biodiversidade que é encontrada neste local da costa
catarinense.
Referências
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germination. Academic Press, San Diego. 666p.
CARDOSO, Victor José Mendes. Conceito e classificação da dormência em sementes. Oecol. Bras.,
13(4): 619-630, 2009.
CARVALHO, P. E. R. Espécies florestais brasileiras: recomendações silviculturais, potencialidades e
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DE ARAÚJO, P. M.; NASS, L.L. CARACTERIZAÇÀO E AVALIAÇÀO DE POPULAÇÃES DE
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